Thursday, October 14, 2010

insensatez

Numa pequena estação a avistei de longe. Intrigou-me. Envolveu-me em seu mistério. Dei alguns passos até ela ficar visível por completo.
Era de baixa estatura, saia longa e florida com lírios do campo, casaco de lã por cima. Tinha olhos majestosos. Grandes e perceptíveis. Não ignorava nenhuma olhadela.
Tinha grande mistério sobre si, e a cada passo que dava parecia levar consigo o ar rarefeito daquele lugar. As nuvens carregadas com chuva eram suas de estimação.
Sentou-se em um banco. Olhava a cada instante a hora indicada e tratava o tempo como se fosse obsoleto ele passar. Observava-me. Olhei para baixo, não queria perder-me naquele olhar que cegava qualquer um.
Então levanto meu olhos e nossos olhares se cruzam. A pequenina olha para mim com profundidade tão gigantesca que fez-me hesitar, indagou:
- Você já sentiu-se pequena?
Assustada eu com a simplicidade da pergunta, repliquei, apenas:
- Já senti-me tão pequena como se vivesse no chão. Porém não foi isso que impediu-me de crescer.
Ela olhara para o chão (coisa que não havia feito durante todo o tempo em que eu a observava), e pensava. Quieta, transformou o lugar em uma biblioteca.
- Sempre fui decidida. Tão decidida. Era como uma porta, não mudava. Os ventos passavam e sempre minhas palavras a reinar. Somente no meu próprio reino, aparentemente. O vento que entortou a flor passou também pelo meu lar. Depois do meu casamento eu fui submetida. Já não tinha palavra final. Opinião passou a ser compartilhada; e eu fiquei cada vez menor.
- Sinto muito..
- Não sinta. Deixei-me ser submetida. Eu senti o brilho da minha estrela apagar.. e nada fiz.
- A senhora relevou o orgulho pela felicidade.
Ela olhava fixamente ao relógio no seu pulso, como se numa tentativa de pará-lo. Olhou para baixo. Abriu a boca. Palavra alguma saiu. Hesitou.
- Relevei a felicidade, esqueci de mim. Relevei-a sobre mim.
Hesitou novamente, e finalizou:
- Todavia somente pensei que quando essa união alcançasse o fim eu estaria liberta das conseqüências dessa infeliz escolha. O casamento acabou e minha luz ainda lá, apagada. Agora a nostalgia envolve-me noite e dia, alcança-me até em meus sonhos. E pesadelos. Essa vida nostálgica que eu queria evitar ter.
Olhei-a e enxerguei-a tão diferente. Senti uma ausência quase palpável ao seu redor. O que só fez eu entender menos ainda dela. Tão fragilmente perdida. Tão certa da perda. Não pude evitar deixar dito:
- Eu costumava sentir-me completa com a nostalgia até eu sufocar-me nela.
A pequenina levantou-se, olhou de lado uma última vez e seguiu seu caminho. Ainda penso ter visto um sorriso brotar de seus lábios.
(História real)
27/09

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