Wednesday, March 27, 2013

strangers

- Qual seria o meu eufemismo?
- "Ela era desconcertante."
- Não é um eufemismo...
- É, sim.


Cena do filme Closer.

Thursday, March 21, 2013

sleeping sickness

Eu caía em um infinito.. Caía, em uma velocidade despercebida, em um buraco sem fim. Eu ia em direção ao fundo, em direção ao nada.. E então acordei, sentei na cama em um lapso, com o coração descompassadamente acelerado e as gotas de suor a correr pela face; parecia que a minha alma iria sair correndo pela minha boca. Tive um pesadelo. E foi porque tudo, tudo sumiu... Eu não lembrava mais, do seu rosto, eu não me lembrava mais. E puxava de todas as formas, remetendo às lembranças, às fotografias gravadas dentro da memória, tentando de alguma forma encontrar no meu pensamento o seu rosto, mas não estava mais lá. Ficara eu ali, sentada na cama repleta de suor, com os cabelos molhados e o coração preso na garganta, os olhos a vazarem a perplexidade que me consumia. Eu não lembrava mais.. Não me vinha a sua imagem à mente e isso me encheu de culpa, de tristeza, mas principalmente, de medo. Eu não queria esquecer do seu rosto jamais pois tinha medo de perder-la de vez... Só não queria perdê-la, jamais. Então apressei-me a folhear os álbuns empoierados com fotografias antigas, uma folha, duas, três, ah! aqui está. Examinei-a como se fosse a última coisa que eu fosse fazer em vida; detalhe por detalhe, pedaço por pedaço, como estava sorrindo, como seu cabelo caía tão belo sobre os ombros, o dia nublado em uma avenida vazia e cinza. Eu a havia esquecido, pensei. Porque fazia muito tempo, tempo demais. Eu não podia esquecer, repeti três vezes dentro de mim. Não podia. E a insônia tornou-se rotina.

"- Eu não lembro mais.. do rosto dela.
- Faz muito tempo, sabe...
- Mas, não posso, não, não posso esquecer, simplesmente não.. Não posso perdê-la de novo.
- Você que é a maior memória dela, baixinha. Seu sorriso transborda lembranças dela, sabia?
- Mas todos nos acham tão diferentes..
- Aqueles que não a conheciam, talvez. Mas o teu sorriso chega a me arrepiar às vezes, porque parece que estou olhando pra ela.. E o teu olhar, não os seus olhos, o olhar mesmo. Ninguém no mundo faz isso, só vocês.
- É. Assusta como o tempo arranca de nós as nossas próprias memórias, só isso.."

para ouvir
http://www.youtube.com/watch?v=9uWh-TlEQ4k

Tuesday, March 19, 2013

além do que se vê

De um dia para o outro o clima deu uma reviravolta; amanhecera com um vento suavemente frio, que fez com que eu tirasse um par de calças e um moletom do armário. Lá fora estava tudo um pouco cinza, o céu estava coberto por nuvens que carregavam uma chuva que iria esperar pra cair. Ao chegar na escola de música, sentei e fiquei jogando conversa fora com a secretária; coisas comuns, mesmo, mas gosto dessas conversas com quem não vejo todos os dias. É como conversa de elevador, se está chovendo, se está quente, como o trânsito está uma lástima... Mas há também aqueles assuntos inusitados, aqueles que não nos vêm à mente todas as horas e com todo mundo, como trabalhos no período de férias, a relação das pessoas com o frio ou o quão eclético somos quando se trata de música.  É divertido a troca de idéias e pontos de vista em uma conversa descontraída, aprendo muito sobre as pessoas nesses momentos. Então chegara às duas da tarde o relógio, subi as escadas com um copo de água nas mãos e a mente livre de qualquer pensamento. Com um violão nas mãos, o mundo desaparece ao meu redor. Dentro daquelas quatro paredes durante aqueles quarenta e cinco minutos é como se aquele fosse tudo ao que se resumisse o meu universo. Aquele é o meu tempo, aquele é o meu lugar, aquela a minha paixão, longe de quaisquer outras distrações estrangeiras. Sai da garganta a voz em tom onírico, à vontade com a situação; sai do violão uma harmonia nova e bela, conjuntos de notas as quais as mãos descobrem a cada arpejo no tocar das cordas. É bonito mergulhar nessa transe, é uma pena que acaba. Ao sair dali, tomei meu caminho, o qual eu, normalmente, percorro andando bastante rápido, com uma pressa demasiadamente chata. Hoje, porém, não tive pressa alguma, caminhei de acordo com a minha vontade e com o clima dessa dia de fim de verão. Entrei em um beco, ao qual por muito tempo passava despercebido por mim, até que encontrei um motivo para notá-lo e colocá-lo no meu mapa, o que deve fazer quase um ano e meio. Chegando ao fim do beco, entrei na porta à esquerda e subi as escadas, e ali estava ela, sentada atrás da mesa, com sua máquina de costura ligada e os óculos apoiando-se na ponta do nariz, quando olhara para cima e excalamara "menina, não te vejo desde o ano passado, vem aqui me dar um abraço!". Helena, com esse jeito extrovertido, carrega dentro de si uma sinceridade hostil - não por maldade, de forma alguma - e seu sorriso cansado se abre independentemente de qualquer coisa. Eu encontrara por acaso essa senhora, por indicação de uma grande amiga quando questionei se ela não sabia de nenhuma costureira boa, ela só não me dissera que tão boa era ela no trabalho como de coração. E, como de costume, as visitas à Helena não duram menos de meia hora, sendo inadmissível a ela não papear e rir um pouco da vida. Ao fim disso, segui meu caminho novamente e decidi ir tomar um café em um lugarzinho novo que abrira faz pouquíssimo tempo ali perto. Entrei, fiz meu pedido e sentei. Logo entrara um conhecido lá e conversamos, eu da minha mesa e ele da dele, um pouco sobre a viagem que ele fizera nas férias de verão, sobre as vezes que ele fora o chef de cozinha na macarronada para arrecadar fundos ao grupo de dança ao qual eu fazia parte e de algumas outras pequenas coisas, incluindo assuntos de conversa de elevador. Cessado o assunto, tornei a ler e acabei me perdendo em meu livro. Quando vi, o relógio já apontava a hora de ir. Pedi então um chá para levar e fui embora. O amargo do mate com o azedume do limão reagiram em um sabor único - se fecho os olhos, ainda consigo sentir o cheiro da erva, as raspas de limão e do frescor que invadia a cidade. Continuei, passo a passo, a seguir meu caminho usual das terças-feiras.
Sabe, eu que detesto a banalidade que envolve a rotina maçante, deixei, deliberadamente, que eu apreciasse um pouco mais dela nesse dia que agora se inclina ao fim. Pude ver que nem tudo é tão igual assim. Os pormenores, os pequenos detalhes desse dia, tornaram essa terça-feira um pouco mais bonita do que as outras. Talvez, se eu prestasse mais atenção aos dias, sem deixá-los passar despercebidamente voando perante meus olhos, todos os meus dias poderiam ter um tom tão agradável como o dessa terça-feira. (Est-ce que ça?) Talvez, pois, todos os meus dias poderiam ter cheiro de chá com limão, eu poderia ter conversas de elevador com estranhos de vez em quando e minhas pernas poderiam dar às caminhadas um ritmo mais calmo; quem sabe... De qualquer forma, c'est une belle vie.

"Moça, olha só o que eu te escrevi, é preciso força pra sonhar e perceber que a estrada vai além do que se vê.."
Referência à música que tocou, no modo aleatório, depois de escrito esse pequeno texto e que tão simplesmente coube a tal e, assim, o entitulou.

Monday, March 18, 2013

regardless

Eu acho que deveria parar de pensar um pouco, mas não consigo. Ao caminhar sozinha ou andar de bicicleta ou ficar em silêncio, eu preciso pensar. Não consigo esvaziar minha cabeça, mas eu preciso.. eu preciso para ficar - ou fingir estar - bem. Em razão disso, eu deveria abster-me de pensar, porque pensar demais acaba sempre levando a você, e pensar em você remete às impossibilidades mais doídas, aos dilemas mais crueis e às incógnitas mais determinadas que já houvera. Lembrar do que passou, do que foi, do que não mais é. Pensar demais leva a você. E pensar em você remete à saudade que eu não quero sentir. Pensar demais manterá acesa a chama que se alastra dentro de mim, que arde, que não perdoa. 
Só não quero pensar mais em você, seria pedir demais?.

Sunday, March 10, 2013

body in a box

Moça, te escrevi uma coisa, que é pra ti lembrares de mim mesmo quando não estou contigo; pois de ti sempre lembro, mesmo quando não estás comigo. Indelével é tua voz a cantarolar-me cantigas de criança, a recitar Renato Russo e ler-me Saint-Exupéry. "Do contrário quem virá visitar-me? Estarás tão longe..", disse-me tantas vezes, em tantas noites que pedira eu a mesma história. Sinto tuas mãos acariciando meus cabelos, até que eu caísse em sono profundo. Ainda sinto teu tom a rodear-me os dias e teu riso a acalmar minhas tormentas. Porém, não te vejo em lugar algum.. Nem nas esquinas de ruas usuais, nas janelas dos prédios ou nos olhos de outras pessoas; não te vejo perto daqui, em canto algum dessa cidade. Não te vejo em nenhuma vitrine, nem a vagar por aí. Te vejo somente na harmonia das minhas músicas preferidas, nas estrofes de Érico Veríssimo e nas angústias de Clarice; te vejo na leveza de Chico, no poder da voz de Elis e na imensidão de Tchaikovsky. Te vejo quando estou sozinha; quando canto e a voz embarga, quando perco o fio da meada. Quando penso em te ver, desabo sobre mim e desdobro-me em migalhas. Te vejo em sonhos raros, nas lágrimas que ardem o coração, em tudo o que deixei de ser. Sinto tuas mãos tocarem meus ombros e tua ausência atilada no olhar desmedido de esperanças que nada encontra ao olhar para trás. Te sinto nos ventos que desarrumam os cabelos e tiram meus pés do chão..
E assim, moça dos cabelos alaranjados, todo o meu amor é destinado a ti, tudo o que abriga meu coração. Dou teu nome a toda saudade que me invade, que me desola, que tento guardar em uma gaveta qualquer; amassada, murcha, vazia e embrulhada como papel amassado. Às vezes me perco sem você aqui, e quando assusta a lembrança tua ser tão vaga dentro de mim, meu coração grita que estás aqui; que mesmo de longe, estás dentro de mim. Às vezes só quero que tu me dê a mão, ouça minhas tristezas e compartilhe de meus sorrisos. E imploro baixinho, sabendo das impossibilidades que nos rodeiam: volta pra cá, volta pra gente. És um vazio imperscrutável no âmago, no fundo da alma dói a falta que tu fazes. E, de vez em quando, pra tentar explicar isso que sinto, dou-te o nome de "Saudade".. Mesmo sabendo que és muito mais. 

Texto dos 13 anos sem ti.

Monday, March 4, 2013

impermanência

"I betrayed you," she said baldly.
"I betrayed you," he said.
She gave him another quick look of dislike.
"Sometimes," she said, "they threaten you with something – something you can't stand up to, can't even think about. And then you say, 'Don't do it to me, do it to somebody else, do it to so-and-so.' And perhaps you might pretend, afterwards, that it was only a trick and that you just said it to make them stop and didn't really mean it. But that isn't true. At the time when it happens you do mean it. You think there's no other way of saving yourself and you're quite ready to save yourself that way. You want it to happen to the other person. You don't give a damn what they suffer. All you care about is yourself."
"All you care about is yourself," he echoed.
"And after that, you don't feel the same toward the other person any longer."
"No," he said, "you don't feel the same."


Trecho do livro 1984, de George Orwell.

Friday, March 1, 2013

bicycle

The wind's blowing your hair, ripping off of your shoulders all its heaviness. You go faster and faster and faster, without pushing the breaks; you don't ever want to stop. There's nothing around you, it's only you. There's only the road beneath your feet, and you're running through it all; you're running from everything else. All the chains are broken. You're not kept inside of four walls, there is no door to get through, there is no barrior. The gentleness in the air get down your inside, filling your lungs with life. The cold wind passes through your black leather jacket and your old jeans. Dried eyes, cold fingertips, fast heartbeats. You're able to feel the tenderness of the day embrace you. Your mind slips away, and your thoughts disappear, suddenly all you have is this moment of pure clarity. In all of this, I've found safety.