Wednesday, April 24, 2013

dépaysement

I
cabeças introspectivas
mexendo-se como os trilhos
de lá pra cá
à direitas e esquerdas
do trem que corre sem o tempo parar
junto aos que andam com o mundo a rodar
dançam e dançam sob as ruas da cidade
sem que a mágica alguma lhes possa tocar

II
na cabine branca
o som dos metais soando
uma melodia bonita
clarinetes e trompetes
e os copos de plástico barato
passando e recolhendo
as moedas de piedade e compaixão

III
chegou à saint-lazare
salto na plataforma
na placa informa marie d'issy à esquerda
sigo por lá
ando pelas escadas que vão para mais longe da superfície
pelos labirintos subterrâneos
sente-se o ofegar dos que passam
aos passos apressados e os saltos-altos
uma avenida de mão dupla
dos que vêm e dos que vão

IV
entrei no trem à esquerda
e seu destino final será levallois
já o meu ficará
por aqui mesmo
e meus olhos tento deixar abertos
mas o cansaço pesa nas pálpebras
os pés pulsam a fadiga
enquanto observo os borrões nas janelas
as pessoas despercebidas
os anonimatos confortáveis
as multidões separadas por estações
os rumos dispersos e as bifurações
os encontros despercebidos
consecutivos
relevantes e esquecidos
deixados de lado,
entorpecidos

V
por agora só o que me ocorre
é o que passa lá fora
quero ver o sol do norte cair
atrás das árvores de galhos despidos
dos tijolos avermelhados das casas do subúrbio
e eu procurando em estranhos
algo que eu desconheça
procurando um olhar que seja
um único fio que reate a esperança
em um novelo de pessoas
de trens, de ruas, cafés e casas
continuo nas ruas caminhando,
andando e pensando
e sonhando acordada
em meio à beleza do que desconheço
de idiomas estrangeiros
dos hábitos corriqueiros
e dos palpites que tento seguir
"living is easy with eyes closed"
diz a voz nos meus ouvidos
são quase vinte horas no relógio
e o sol começou a cair

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Dépaysement n.m. (frech): 1. change of scenery; 2. the feeling that comes from not being in one's home country. 3. obsolete/exile.

transcrevendo ao som de
http://www.youtube.com/watch?v=xCVea05GFHU

Tuesday, April 9, 2013

sê o plural como o universo

Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento. 

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.



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Para quê o limite se para ser limitado basta existir?

Crear é libertar-se!
Crear-se é substituir-se a si-proprio!
Crear é ser desertor!
Substituamos as personalidades à personalidade. Que cada um seja muitos! Basta de ser para si a primeira pessoa do singular de qualquer pronome ou verbo. Sejamos a Pessoa Absoluta do Plural Inconmensurável. Menos que isto é a arte do passado!

Fernando Pessoa, "Álvaro de Campos ou Livro do Desassossego ou outra coisa qualquer". 




para ouvir
http://www.youtube.com/watch?v=HLWE5l7i47E



Sunday, April 7, 2013

Mamihlapinatapei

"O olhar trocado por duas pessoas que desejam dar início a algo mas ambos são relutantes e esperam que o outro tome iniciativa - the wordless, yet meaningful look shared by two people who both desire to initiate something but are both reluctant to start it."

Palavra da língua indígena antiga da Terra do Fogo e a tentativa de explicá-la em duas línguas, já que nenhuma a traduziu bem individualmente nem abrangiu seu significado justamente.

(cinco de abril de dois mil e treze)

Wednesday, April 3, 2013

1

Toska: "dá-se como profunda e dolorida, é uma sensação de vasta angústia espiritual, sem uma causa específica na maioria das vezes. Nos níveis menos mórbidos, é uma aguda dor na alma, uma falta de algo sem que nada esteja faltando, uma inquietude vaga, agonia mental, um constante anseio sem razão. Em casos particulares, pode ser o desejo por alguém ou algo específico, nostalgia, dor-de-amor. No menor nível dá-se, simplesmente, como tédio."
Do russo, uma bela - e intraduzível - palavra.