Monday, August 10, 2009

O Verdadeiro Escritor


"Sempre senti, a vida inteira, que as páginas que ia deixando à minha passagem eram parte de mim. As pessoas normais trazem filhos ao mundo; os romancistas trazem livros. Estamos condenados a deixar a vida neles, embora quase nunca nos agradeçam por isso. Estamos condenados a morrer em suas páginas e, às vezes, a permitir que elas acabem nos tirando a vida. Entre todas as estranhas criaturas de papel e tinta que trouxe para esse mundo miserável, aquela, minha oferenda mercenária às promessas do patrão, era sem dúvida a mais grotesca. Não havia nada naquelas páginas que merecesse mais que o fogo e, no entanto, não deixava de ser sangue do meu sangue e não tinha coragem de destruí-las. Abandonei-as no fundo daquele baú e saí do escritório acabrunhado, quase envergonhado de minha covardia e da nebulosa sensação de paternidade que aquele manuscrito feito de trevas me inspirava. Provavelmente, o patrão saberia apreciar a ironia daquela situação. A mim inspirava nojo, simplesmente."

O Jogo do Anjo, de Carlos Ruiz Zafón, página 39.

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